26.10.09

Ainda o Terceiro-Mundismo de Quem Não Pensa Como Eu

Confesso que tenho alguma aversão a estes senhores. Não tanto pelos seus objectivos mas pela forma como pretendem atingi-los. Para além do incentivo à participação cívica em nome de uma Lisboa melhor, o que à partida seria meritório, o fio condutor do movimento parece ser uma reacção visceral à estupidez dos lisboetas que não pensam como eles. A começar pelos construtores, passando pelos diferentes serviços camarários e acabando numa razoável parte da população lisboeta. Não digo que não haja pontos válidos em muitas das críticas que fazem mas, a postura de que esta corja de malfeitores não os merece é algo, digamos, contra-producente.

Veja-se este exemplo. A tese do post parece ser a de que os proprietários dos apartamentos do tal edificio são estúpidos porque, ao tentarem melhorar as suas casas, acabaram por as desvalorizar. A desvalorização terá tido origem, por um lado, na descoordenação das alterações, descoordenação essa que acabou por desfigurar o edifício, por outro, no mau gosto das intervenções. O problema da descoordenação é um ponto válido mas secundário, o do mau gosto, é uma porta aberta para todo o tipo de crimes.

Antes de chegarmos à estupidez dos proprietários, convinha começar pela estupidez dos arquitectos que teimam em fazer varandas inúteis. De seguida, poderíamos falar da estupidez das autoridades competentes que não estão particularmente interessadas em fazer cumprir a lei. Aí chegados, já estaríamos em condições para discutir o tal problema da descoordenação entre proprietários, problema eventualmente atribuível à sua estupidez mas que me parece poder ser bastante atenuado se a discussão se ficar pelos dois pontos prévios.

A questão do mau gosto tem uma solução simples: uma coisa chamada direitos de propriedade. Não estão muito em voga por estas bandas mas são úteis porque foram criados precisamente para evitar que os gostos individuais tivessem força de lei.

É certo que a Lisboa actual é, lamentavelmente, a Lisboa que muitos dos seus habitantes merecem. Mas também é certo que, apesar de tudo, a cidade merece arautos que não tentem resolver os seus problemas propondo "soluções" iguais às que nos trouxeram até este ponto. Os limites do elitismo como princípio orientador de políticas públicas estão bem à vista.

Leitura complementar: O Terceiro-Mundismo de Quem Não Pensa Como Eu

3 Comentários

Lourenço Cordeiro disse...

Apesar de perceber a tua irritação, não me parece que tenhas razão no caso concreto que citas. Não estou aqui para defender a classe (jesus credo), mas aquelas varandas, à data, não eram inúteis: o forte crescimento do trânsito automóvel e a poluição a ele inerente (sonora e ambiental) é que transformaram aquelas varandas em espaços inúteis. E em relação à «estupidez» dos moradores, o Cidadania tem razão (embora não ache que seja «estupidez» mas apenas falta de coordenação): cada um daqueles imóveis ficaria valorizado se a intervenção tivesse sido coordenada. Acho que o que está aqui em cima da mesa não é tanto uma opção ideológica (liberdade individual vs. dirigismo elitista) mas uma escassez de bons exemplos que formem um «gosto» colectivo. Porque sem esses bons exemplos (o Manuel Vicente dizia que era quase impossível um arquitecto italiano ser mau tal a quantidade de obras exemplares que lhe entram pelos olhos dentro todos os dias) nenhuma das opções ideológicas terá sucesso.

Tomás Belchior disse...

Como disse no post, a questão da coordenação é um ponto relevante. O problema é que, como tu bem dizes, à falta de bons exemplos, precisamos de algo mais para resolver a descoordenação. O meu ponto é que esse algo mais supostamente já existe: a lei. Como vivemos numa espécie de Texas, cada um faz o que quer. É por isso que os proprietários têm ideias peregrinas. Fazem-no simplesmente porque podem fazê-lo, sem dar cavaco a ninguém. Se a lei fosse cumprida, a fachada original ainda lá estava, intacta e eventualmente a valorizar o prédio.

O problema das varandas já é diferente. Eu concordo contigo que as varandas não são inúteis, no entanto, não sou dono de uma daquelas casas. Mais uma vez, temos o tal conflito entre o público e o privado. Se, na prática, nada te impede de fazeres o que quiseres à tua varanda, não sei com que legitimidade se pode evitar alguém de fazer o que quiser com o que é seu. Se o Estado não está particularmente interessado em regular o limite entre o espaço público e o espaço privado, é normal que essas considerações não entrem nas contas dos proprietários. Alguns deles acham que fechar as varandas valoriza mais as suas casas do que ter uma fachada intacta. Talvez estejam a ser estúpidos, talvez não. O que eu sei é que, graças à demissão do Estado, passou a ser um problema só deles, mesmo porque aparentemente o condomínio também vive bem com isso.

A minha embirração com os tipos do Cidadania LX é que nem os teus argumentos, nem os meus, parecem ser a base das críticas que por lá se fazem. Tenho a certeza que se os proprietários, todos coordenadinhos, tivessem fechado todas as varandas, seguindos todos os trâmites legais, seriam à mesma umas bestas. Porquê? Porque o prédio ficaria feio e o Estado não pode permitir isso.

Lourenço Cordeiro disse...

Também há aqui outro problema: a falta de capacidade de planeamento a longo prazo dos portugueses. Enquanto os prédios eram «de redendimento» (enquanto o proprietário era só um), as fachadas e as chamadas «partes comuns» tinham um tratamento cuidado porque isso ia de encontro ao interesse do proprietário, que precisava de arrendar os apartamentos sempre que eles vagassem. A partir do momento em que o proprietário único dá lugar a n proprietários diferentes, perde-se esse esforço de longo prazo. Alguém que feche a varanda, porque isso lhe dá «mais área», sem se importar com o impacto que esse gesto vai ter na coerência do alçado, ou lá o que for, não está interessado em promover a valorização do prédio e das «partes comuns» porque se calhar não pensa vender o apartamento num futuro próximo. Mas quando o quiser fazer, vai reparar no disparate que o condomínio permitiu. Como exemplo oposto, basta ver por quanto se vendem os apartamentos no Bloco das Águas Livres, do Teotónio Pereira (que sempre teve uma comissão de residentes muito empenhada em preservar as características arquitectónicas do edifício): é um edifício dos anos 60 e o preço por m2 chega a ser mais alto que edifícios novos na mesma área.

Enviar um comentário

 

[Topo]