28.2.09

A Desilusão Pequeno-Partidária

O pragmatismo é particularmente cruel nos pequenos partidos. A frustração recorrente das vitórias morais, da estrutura intermitente, da insuficiência generalizada, muitas vezes só é ultrapassada graças aos ideais, e os ideais são as primeiras vítimas da "arte do possível". Na recente Assembleia Concelhia do CDS, em que foi aberta uma porta para a coligação com o PSD de Santana Lopes, mais uma vez, a discussão que estava em cima da mesa era esta: é preferível ter um vereador ou ter valores?

As coligações são sempre soluções tingidas pela mediocridade do cinismo. Podemos invocar circunstâncias extraordinárias, mas é da fraqueza relativa das partes envolvidas que elas nascem. Neste caso, a acontecer, esta coligação nascerá da debilidade do candidato do PSD e do desaparecimento de cena do CDS nas últimas eleições. Nada de particularmente inspirador portanto.

No entanto, por vezes esquecemo-nos que mesmo os pequenos partidos existem para conquistar o poder, o poder possível é certo, mas o poder mesmo assim. Esta resignação não radica no realismo como um fim, mas sim no realismo como um meio. Num pequeno partido o realismo das limitações permite o exercício do único idealismo aceitável: o idealismo temperado.

27.2.09

Planeamento Redux

Neste cenário em que, mais eufemismo menos eufemismo, se tornou claro que nenhum governante sabe verdadeiramente o que está a fazer, a crise acabou por se alastrar à semântica. Um plano deixou de ser um "projecto elaborado com um objectivo específico e em que se estabelecem as várias etapas para o atingir" e passou a ser apenas um instrumento para reclamar recursos, um prospecto ilustrado. O objectivo específico desapareceu e foi substituído pela auto-justificação. O plano voltou a servir apenas para planear, planear para dissimular e conter a dúvida. O sucesso deixou de se medir pelos resultados mas sim pelo acerto dos pressupostos. Ou seja, estamos reduzidos a essa mistificação de casino, a "estratégia" para jogar na roleta.

26.2.09

Palavra da Salvação

Agora que o governo resolveu interpretar o mandato dos portugueses como uma carta branca para gastar o nosso dinheiro de forma acidental, lembrei-me da resposta que o Hayek terá dado quando lhe perguntaram que lei promulgaria, se só pudesse escolher uma. Ele respondeu muito simplesmente que escreveria uma lei que não permitisse ao Congresso fazer algo por um americano que não pudesse fazer por todos os americanos.

Transformando isto num aforismo para consumo interno ficaríamos com algo como: não salvarás nenhum português em particular porque essa é a única maneira de salvar os portugueses em geral.

25.2.09

A Hipótese Liberal

Num país onde as pessoas não percebem que para baixar o preço de um bem basta deixarem de o consumir, o liberalismo terá necessariamente dificuldades em instalar-se. Haverá sempre um burocrata disponível para aliviar os portugueses das suas indignações, recorrendo a uma via administrativa.

À margem de teorizações, chega-se à conclusão que só há duas vias para o liberalismo: a do esclarecimento e a da responsabilização. A via da responsabilização consistiria em retirar progressivamente o Estado das nossas vidas, recuperando a ideia intragável de nos obrigar a assumir as consequências dos nossos actos. Apesar de ser a maneira abrutalhada de presentear a nação com o liberalismo, também seria a mais eficaz. Infelizmente, é uma alternativa condenada a morrer às mãos do grande pilar do conservadorismo pátrio: a intolerância ao esvaziamento de funções.

A via do esclarecimento, apesar de ser a via civilizada, é ingrata porque pressupõe uma "mudança de mentalidades" e qualquer "mudança de mentalidades", apesar de ser "a parte mais importante" de qualquer reforma, é unanimemente aceite como sendo a parte "mais difícil". Na melhor das hipóteses, "leva sempre muito tempo". No entanto, a inconsequência é um grande activo político de qualquer reforma, já que não exige grandes sacrifícios a ninguém. Os resultados só interessam aos cínicos. Isto significa que, para oficializarmos o início do processo de liberalização de Portugal, só precisamos de um político que assuma o liberalismo como uma paixão.

A Moralidade do Populismo

Sendo certo que os idosos serão cada vez mais influentes nas decisões democráticas, mais uma vez corremos o risco de, graças ao fascínio do populismo, legitimar uma imoralidade. Sobre este tema, um artigo interessante da Standpoint. A passagem chave:

"Europe desperately needs pension reform. But who is going to vote for it? Are turkeys going to vote for Christmas? The evidence from many countries is clear. As the population ages, older people use the ballot box to transfer resources to themselves from the younger generation."

24.2.09

Selectividade e Profissionalismo

No seguimento dos posts anteriores, um exemplo de profissionalismo político. Ontem, Paulo Portas acusou o governo de não ser "selectivo" no investimento público. Começou por usar uma definição clássica de selectividade, denunciando a forma arbitrária como o governo pretende endividar o país para demonstrar que está a fazer algo para combater a crise. A seguir definiu o seu próprio critério para um investimento público selectivo: a dimensão desse mesmo investimento. Como no caso das medidas de apoio às PMEs, Paulo Portas defende pequenos e médios investimentos, no que seria uma demonstração saudável de prudência na gestão do dinheiro dos contribuintes. Para além de ser um princípio basilar do conservadorismo, a prudência serve igualmente para identificar claramente um público alvo para as suas declarações: os idosos.

Numa pequena comunicação, Paulo Portas ataca a incompetência política do governo, reforça as suas credenciais conservadoras e posiciona-se como um defensor de um grupo social com um peso eleitoral crescente e atormentado pela ameaça do esquecimento.

23.2.09

As PMEs do Nosso Contentamento II

As medidas dirigidas às PMEs cumprem uma regra básica da política: as políticas públicas só fazem sentido se for possível identificar claramente os seus beneficiários. As PMEs por representarem a maioria do emprego, das exportações, das empresas, etc., caem forçosamente no proverbial absurdo das generalizações. No entanto, nada como a frieza de uma definição estatística para tornar evidente quem vai receber o quê.

Cozinhar legislação destinada à generalidade dos portugueses pode ser um princípio louvável mas, em última análise, significa que ninguém se sentirá verdadeiramente beneficiado. As políticas ideais serão sempre o mais abrangentes possível sem, contudo, serem totalmente abrangentes. Mesmo que tudo o resto falhe, só o sacrifício de alguns a favor de outros é que prova a intencionalidade da complacência governativa. Como no caso da corrupção, também em política é possível existir beneficiação passiva sem existir beneficiação activa, no entanto, e ao contrário do que se passa com a corrupção, em política, a falta de reciprocidade é chamada incompetência.

As PMEs do Nosso Contentamento

De modo a "oferecer alternativas", a oposição tirou da cartola as PMEs. Independentemente do mérito das propostas, é curioso como a única forma de alguém vir para a praça pública defender empresários é na condição de que estes sejam micro, pequenos ou médios empresários. Ou seja, empresários que também são pessoas. É um estilo sofrível mas honrado de fazer política, que já vem de longe: "[...] É evidente o essencial igualitarismo da visão republicana. Sem chegar a propor medidas activas contra os poderes económicos dominantes, os republicanos sonhavam com um pequeno mundo de camponeses, empresários oficinais e comerciantes, lojistas, artesãos e trabalhadores, governados pelas luminárias da «classe média»; sonhavam com um mundo onde todos tivessem os mesmos privilégios e oportunidades. Talvez não seja preciso dizer que esses sonhos eram tão inviáveis como anacrónicos."

Os Primeiros

Muito obrigado à Carla Hilário Quevedo pelo destaque que veio finalmente manchar o irrepreensível bom gosto dos seus quase seis anos de blogosfera, e ao Vento Sueste por ter sido primeiro a fazer uma ligação a este blog.

21.2.09

O Combate às Crises

Para um político as crises representam um momento único de consenso, um período fugaz em que os seus detractores se dissipam quando confrontados com uma realidade que lhes escapa. O problema é que nesse momento a opção da imobilidade não existe. Há uma percepção generalizada de que não fazer nada, mesmo que essa seja uma decisão acertada, é um sintoma de incapacidade e não de sensatez. Se, nesse momento de abertura, o político não aproveita para avançar com uma reforma, qualquer reforma, depressa será comido vivo por opositores que se reagrupam e se multiplicam assim que detectam indícios de hesitação.

Como disse o Tocqueville, o momento mais perigoso para um mau governo é quando começa a fazer reformas. O perigo é redobrado quando esse instante reformista chega por entre o tumulto de uma crise e assente numa coligação de interesses que só se mantém unida graças à dinâmica desse mesmo instante e não com base no rumo que foi escolhido.

É nestas condições que surgem afirmações como as que o Primeiro Ministro tem vindo a produzir, em que diz que "o investimento público é o melhor instrumento que temos para criar emprego". Com esta frase, o Primeiro Ministro tenta fazer coincidir, erradamente, as suas opções como governante com as nossas opções como governados. O investimento público não é o melhor instrumento que nós temos, é o melhor instrumento que ele tem.

Este contexto de racionalidade condicionada em que o Primeiro Ministro se encontra actualmente só faz coincidir duas coisas: o perigo que as suas políticas anti-crise representam para o seu mau governo, com o perigo que elas podem representar para o país. É também este contexto que torna tão inquietante o facto de sermos governados por um português normal.

20.2.09

Crenças: Isaiah Berlin

"Liberty is liberty, not equality or fairness or justice or human happiness or a quiet conscience."

Isaiah Berlin - "Two Concepts of Liberty"

Crenças: Michael Oakeshott

"A plan to resist all planning may be better than its opposite, but it belongs to the same style of politics."

Michael Oakeshott - "Rationalism in Politics"

19.2.09

Os Apoios

A crónica indigência nacional gerou uma patologia curiosa: para os portugueses, escolher é sinónimo de ter azar. Por cá coloca-se no mesmo plano a doença e o comércio tradicional, a miséria e o transporte de mercadorias, o desemprego e a agricultura. Em qualquer um destes casos estamos a falar de azares, de falhas de mercado, no fundo, de injustiças que requerem "apoios". Na senda de desresponsabilização generalizada que temos vindo a percorrer ao longo dos séculos, o Estado tem feito os possíveis para retirar o conceito de custo de oportunidade das nossas vidas. Em compensação legou-nos um país onde já não é preciso arriscar, basta manobrar.

18.2.09

Limites Telegénicos da Direita: a Maldade

Num país onde há uma estranha equivalência entre políticas sociais e políticas públicas, tudo o que implique devolver às pessoas a responsabilidade pelas suas vidas e, em certa medida, pelas vidas dos que as rodeiam, é sempre visto como uma crueldade. É confortável renunciar às nossas obrigações a favor de uma entidade abstracta mas omnipresente. O problema é que a liberdade implica responsabilidade e, parafraseando o George Bernard Shaw, é precisamente por isso que ela é temida. A agenda da direita, com a sua defesa da subsidiaridade, esbarra inevitavelmente num país onde abdicamos da nossa liberdade individual por facilitismo.

A Crise em Versão "Non Sequitur"

É curioso o entendimento muito particular que os sindicatos e a esquerda em geral têm da crise. Por um lado, dizem-se muito preocupados com o abrandamento económico e com o desemprego, por outro, os encerramentos de empresas são sempre fraudulentos e os despedimentos são injustificáveis porque "há encomendas". Há quem chame a isto desonestidade intelectual. Há quem chame a isto esquizofrenia. Há ainda quem chame a isto 20% do eleitorado.

17.2.09

Desigualdade e Ressentimento

No seguimento do post anterior, um bom texto do Pedro Santos Guerreiro no Jornal de Negócios. As frases chave:

"O que temos é falta de ricos, não de pobres. Devíamos estar mais concentrados em acabar com estes do que com aqueles."

Acabar com a Desigualdade

O conceito político de desigualdade é um eufemismo que só é usado por dois tipos de pessoas: as que têm inveja e as que querem o voto destas últimas. Não existe um problema de desigualdade, existe um problema de pobreza. A fome, o desespero, a doença, a fragilidade, não se coadunam com eufemismos. Sendo que "a dignidade humana exige [...] que o homem actue segundo a sua consciente e livre escolha, isto é, movido e determinado por convicção pessoal interior, e não por um impulso interior cego, ou por mera coação externa", a pobreza deve ser combatida não por ser injusta mas porque é um atentado a essa mesma dignidade.

As pessoas que afirmam preocupar-se com a desigualdade, dependendo do extremo do espectro onde se encontram, ou sentem um misto de inveja e ressentimento ou são assombradas pela culpa. Como diz o Roger Scruton, ao contrário dos Estados Unidos onde a sociedade é fundada na dádiva e não na reivindicação, na Europa a sociedade é baseada em "direitos humanos" que não passam de exigências mesquinhas. Ao continuarmos a falar de desigualdade como algo de imoral estamos a perpetuar esta visão de que o sucesso é sempre injusto, mesmo quando é merecido, pela simples razão de que nem todos o podem ter.

16.2.09

Limites Telegénicos da Direita: o Liberalismo Contra-Intuitivo

A comercialização actual do liberalismo adoptou a estratégia de o descrever como contra-intuitivo, ou seja, devia ser intuitivo para a generalidade das pessoas mas só o é para uma elite (liberal). Esta formulação é útil para congregar liberais mas, depois de congregados, coloca-os na ingrata posição de, recorrendo ao esquematismo, provar a estupidez do próximo.

Limites Telegénicos da Direita: Conservadorismo e Moralismo

Um moralista pode ser definido como alguém que nos quer convencer (se possível obrigar) a viver a nossa vida de acordo com princípios morais que o próprio defende, mas que não segue necessariamente. O problema do conservadorismo como programa político, e não como método, é o facto de não ser dissociável desta definição de moralismo. E, se há coisa que ninguém atura, é um moralista. A começar pelos próprios.

15.2.09

Limites Telegénicos da Direita: a Semântica

O debate circular sobre o que é exactamente a direita pode ser intelectualmente estimulante mas é pouco apetitoso para o homem comum. É uma perda de tempo tentar explicar às pessoas que não existe um conservadorismo mas vários conservadorismos, que o conservadorismo anglo-saxónico é bom e o continental é mau, ou que, na mesma linha da raciocínio, não há um só liberalismo. É uma perda de tempo não porque essas distinções não existam mas, porque tentar "esclarecer" desta forma é o mesmo que tentar "esclarecer" que verde não é verde mas sim uma mistura de amarelo e azul. Por muitas virtudes que o amarelo tenha relativamente ao azul, tentar acabar com o verde em nome do rigor é apenas uma forma académica de fazer das pessoas parvas.
 

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