30.3.09

Limitações Racionais II

A ideia original que motivou o meu post sobre os limites da racionalidade no domínio da regulação era a de uma aparente falha no cumprimento da missão das Autoridades da Concorrência deste mundo que não estava a ser discutida: deixar o mercado refém de uma qualquer organização apenas porque esta é "demasiado grande para falir" não é o exemplo acabado de um abuso de posição dominante?

Felizmente podemos confiar no "long tail" blogosférico para, mais cedo ou mais tarde, assistirmos a uma discussão interessante.

No Free Exchange: "Big banks can't be allowed to fail, and they know it. They're difficult to monitor, internally and externally. And they don't seem to be providing much in the way of scale economies, given the systemic risk they present. So break them up, right?"

No Market Movers do Felix Salmon: "Why Big Banks Should be Smaller".

Kevin Drum no site da Mother Jones: "Big companies are here to stay, and I suspect that any regulation stringent enough to keep banks small enough to fail won't be sustainable."

No Marginal Revolution: "We would be requiring regulators to estimate the net "size" of a bank financial position when banks themselves haven't been very good at doing that."

O Matt Yglesias sobre um relatório elaborado pelo Paul Volcker: "Volcker: Keep Banks Small Enough to Fail".

19.3.09

Avaliação de Políticas

Há uns tempos este senhor resumiu a avaliação de "soluções" políticas a três perguntas: qual é o seu custo? quais são as alternativas? como é que se sabe que é uma solução? Numa altura em que os partidos se desdobram em medidas para todos os gostos, torna-se difícil distinguir propostas que nos vão ajudar a sair da crise melhor do que quando entrámos, de propostas que vão apenas ajudar alguns de nós a sair das eleições melhor do que quando entraram. Já que aparentemente vamos financiar todo este voluntarismo com os nosso impostos, nada melhor do que receitas simples para moderar a euforia.

16.3.09

Leituras

Dois textos sobre o risco:

- Jump! If the economy is going to recover, Americans need to start taking risks again.

"The markets, and the economy as a whole, are continually buffeted by the twin forces of fear and greed. For the past year, fear has clearly had the upper hand. But over time, as fear subsides, our inborn in­stincts to improve our lot and desire for gains, and greed—Adam Smith would call it self-interest—will make a comeback."

- The Promise and Peril of the Freelance Economy: Self-employment has made America more productive, but at what cost to the self-employed?

"Unlike the traditional entrepreneur taking big risks to get rich, a lot of America’s modern independent workers [...] are uncomfortable figuring out how to cope with risk on their own."

15.3.09

Escravos Naturais

Há poucas coisas tão deprimentes como viver num país paralisado pelo medo de ser enganado. O português avança sempre para um negócio a assumir que é a parte mais fraca. Neste quadro mental de uma aristotélica "escravidão natural", um acordo mutuamente benéfico é apenas um acordo em que uma das partes está a ser intrujada mas ainda não o sabe. Para além de miserável, esta aversão quase patológica ao risco torna praticamente impossível a vida civilizada. Antes de se assinar o que quer que seja, há sempre quem chame o pai, o que, como é sabido, é uma das boas razões para se andar à pancada com alguém.

14.3.09

Estratégias Nacionais

"O Governo vai criar uma base de dados dos sem-abrigo em Portugal, no âmbito de uma Estratégia Nacional [...] que visa criar condições para que ninguém tenha de permanecer na rua por falta de alternativas."

Estranho mundo este onde o primeiro passo para ajudar alguém é metê-lo numa base de dados.

12.3.09

Limitações Racionais

Por entre múltiplas desgraças, esta crise está a ser fértil em novos temas para conversas de café. Introduziu termos técnicos como "o buraco" no vocabulário corrente e pôs-nos a discutir o carácter precursor da epidemia de "subprime" que arrasou os nossos subúrbios muito antes dos americanos terem inventado o produto.

Com a vulgarização da crise, também o risco sistémico entrou nesse circuito. Como em tantos outros casos de conceitos que ninguém entende, tratámos rapidamente de passar de uma área eminentemente técnica para o campo do combate doutrinário. A noção de "too big to fail" tornou-se tema de gritaria e serviu de base para ataques a uma visão muito particular da regulação, em que esta supostamente existiria para proteger o homem comum do "neo-liberalismo" e da ganância.

No meio da algazarra, a única conclusão a que se pode chegar para já é que a regulação não falhou por não ser actuante mas porque, parafraseando o Adam Ferguson, estamos permanentemente a tropeçar em factos que embora resultem da acção humana, não são produto da sua intencionalidade. Este modelo de regulação progressista fez com que mais uma vez caíssemos no erro de pensar que podemos eliminar a contingência através do planeamento e da racionalidade, em vez de nos prepararmos para lhe sobreviver.

11.3.09

Dissolução

Ao contrário do que os seguidores das profecias do Medina Carreira parecem pensar, dizer que não há solução não é uma solução.

Empreendedorismo de Estado II

Mais abusivo do que empreendedorismo de Estado, só mesmo a diplomacia económica, que não é mais do que empreendedorismo público no estrangeiro. Ou seja, o pior de dois mundos. Eu pensava que havia dificuldade por parte dos bancos em arranjar capital mas pelos vistos a CGD, tendo subarrendado o monopólio da violência legítima, só precisou de carregar num botão para nos ficar a dever 1.300 milhões no último ano e meio. Para compor o ramalhete ainda nos tornámos avalistas dos 500 milhões de dólares que a CGD vai usar para fazer um banco de investimento a meias com o José Eduardo dos Santos.

Eu diria que, para não ir mais longe, os 100.000 portugueses que vivem neste momento em Angola são prova de que não há necessidade de "apoios" por parte de bancos públicos. Não há falhas de mercado, apenas bons ou maus investimentos. Logo, por exclusão de partes, a única coisa a ser apoiada nestas manobras é a canalha cujos "projectos" são avaliados por critérios diferentes dos do mercado (também chamados critérios políticos, ou favores), em nome da cooperação internacional. Apoiada nos impostos do meu filho.

10.3.09

Empreendedorismo de Estado

Quando os CTT lançaram o "Phone-ix" juntaram um produto com um nome idiota ao já extenso rol de interpretações abusivas do que devem ser as funções do Estado. O empreendedorismo público, que basicamente consiste em embarcar em aventuras especulativas à custa dos contribuintes, é a sublimação da "socialização da economia". Abençoado pela crença na omnipotência do Estado, transforma-nos à força numa garantia de capital dos investimentos estatais.

Como cliente dos CTT, as minhas expectativas são modestas. Limito-me a ter esperança de conseguir receber e enviar correio. Como accionista, queria um dia poder reduzir a minha participação ou, pelo menos, não ter que ir aos aumentos de capital. Como contribuinte, gostaria sobretudo de ver alguma contenção por parte do Estado na utilização do meu dinheiro para explorar oportunidades de negócio. Nada de muito extravagante.

9.3.09

A Cassete

Desde que o sistema financeiro começou a estremecer que se ouve a ladainha contra a "socialização dos prejuízos". É engraçado como só ao final de décadas de TAP, Carris, CP, Águas de Portugal, e até de Sociedade Portuguesa de Empreendimentos, é que surge esta revolta. À falta de melhor, que os "milionários" do Banco Privado Português sirvam para alguma coisa.

8.3.09

Limites Telegénicos da Direita: a Cobardia

Há quem queira infamar o moralismo acusando-o de intolerância mas, para o moralista, a intolerância não é mais do que um sub-produto desprezível da convicção. Ser um fanático tem a vantagem de minimizar os tremores. Recusar o fanatismo, andar à deriva nas águas mornas do compromisso, pode ser panegírico mas tresanda a medo, a calculismo. Nesse aspecto, a cegueira também tem outra característica decisiva: a sinceridade. Como se sabe, não há nada mais eficaz, mais tocante, do que um político convictamente "verdadeiro".

Curiosamente, a nossa direita parece não estar particularmente interessada em defender aquilo em que acredita. Tem simultaneamente medo do peso eleitoral do centro e medo de mostrar as suas verdadeiras cores. Tem a fama sem ter o proveito mas gostava mesmo era de ter o proveito livrando-se da fama. Face ao preconceito contra tudo o que é rotulado como sendo de direita, a resposta é alternadamente a vitimização, a paralisia ou o malabarismo eleitoral. Nunca a ousadia de quem acredita verdadeiramente nas suas próprias propostas. É este o resultado de confundir opiniões com princípios e posicionamento com liderança.

7.3.09

Limites Telegénicos da Direita: a Hipocrisia

Nos anos noventa, quando se começou a falar em reengenharia, uma das justificações para refazer processos produtivos era uma alteração no tipo de mudança que assolava o mundo. Nos bons velhos tempos, a mudança era violenta mas esporádica, agora tinha passado a ser gradual mas constante. Tornou-se necessário reinventar a roda. Para se sobreviver neste novo sistema era preciso substituir a coerência pela consistência. À direita, este género de raciocínio levou a ideologia e deixou o populismo. A "vontade do povo" deixou de ser moralmente neutra.

O problema é que o "povo" é contraditório e a sua "vontade" não existe. Isto obrigou a uma tentativa de construir um eleitorado em forma de manta de retalhos. Com algum cinismo, a hipocrisia pode ser descrita como uma forma de conjugar liberdade económica com conservadorismo social, tradição e dinamismo, reforma e continuidade. No entanto, também pode ser descrita de outra forma. Pode ser descrita como vivendo em concubinato com esse outro limite telegénico da direita, o moralismo. Uma relação íntima que nasce da associação forçada de elitistas e desfavorecidos, de católicos fervorosos e homossexuais, de púdicos e abortos discretos. A moral pública da direita morre às mãos dos seus pregadores. Sendo de impossível de praticar, é impossível de defender.

5.3.09

O Conflito Étnico Suficiente

A propósito dos recentes episódios na Guiné-Bissau, lá voltamos ao "conflito étnico" como explicação necessária e suficiente para os males africanos. Sendo um tipo limitado, tenho alguma dificuldade em engolir a seco esta justificação. O "conflito étnico" tornou-se um truísmo quando se discutem causas para a inevitável miséria de África. Passa-se o exactamente o mesmo quando se aborda o problema da droga nas prisões: o único ponto assente é que é algo que não tem solução.

Uma volta rápida pela internet produz como explicação para o conflito étnico o colonialismo, a escassez de recursos, a psicologia, a modernidade, a identidade, a desigualdade, a biologia, a democracia e os mercados, e até uma coisa chamada "neo-patrimonialismo". Na Foreign Affairs do Verão passado discutiu-se, a propósito deste tema, o nacionalismo e o separatismo, num artigo chamado precisamente "Is Ethnic Conflict Inevitable?". Torna-se claro de onde vem a necessidade de não transformar o conflito étnico em mais do que uma muleta para passar em análises de noticiário. Dada a multiplicidade de explicações, fica-se com a ideia de que ninguém sabe verdadeiramente justificá-lo. No entanto, parece que há um consenso quanto à sua responsabilidade pelo caos africano. Não percebo como é que se faz essa passagem.

Como também nesta matéria sou um perfeito ignorante, gostaria sinceramente de ver a nossa blogosfera das relações internacionais ou da antropologia a avançar com algo de mais aprofundado do que as frases feitas que circulam pelos meios de comunicação. Paulo Gorjão? Bernardo Pires de Lima? Jaime Nogueira Pinto? Alexandre Guerra? Miguel Vale de Almeida? José Pimentel Teixeira? Alguém?

Cuspir Sangue

Com a crise a alastrar, há a tendência para pensar que os acontecimentos são tão avassaladores que qualquer partido que estivesse no governo teria necessariamente de tomar as mesmas opções que foram tomadas pelo PS. À falta de melhor justificação, pode-se sempre recorrer ao chavão da necessidade de "coordenação internacional" para provar a inevitabilidade das políticas socialistas.

Como já o referi aqui, este é um raciocínio falacioso. Estas políticas só são inevitáveis para o governo. A necessidade de concorrência democrática torna-se evidente quando, a reboque deste unanimismo, se lêem coisas como "um privilégio que o Estado concede aos particulares". A excepcionalidade que nos querem impingir faz com que esta repelente escola de pensamento que vê o Estado como um agente de transformação da sociedade volte a ser perigosa. Não tanto pela concepção de Estado em si, mas pelo totalitarismo que ela sugere.

Numa primeira análise, diria que defender a "socialização da economia" é apenas absurdo. No entanto, o facto de aparentemente isto não ser absurdo para algumas pessoas que nos governam com maioria absoluta, obriga-nos a uma reavaliação. Nestas condições, quando alguém se oferece para descodificar o interesse geral, mais do que absurdo, isso é assustador.

4.3.09

Bipartidarismo III: Os Limites do Pactos

No seguimento dos posts anteriores, um artigo do Jay Cost sobre os limites dos bons acordos, os tais que não satisfazem verdadeiramente ninguém. As passagens chave:

"Partisan disagreements are real. That is, they concern different conceptions of the right or the good - and they are generated in good faith. [...] Partisan disagreements are typically the result of honest differences about issues for which there is no obviously correct answer."

"Bipartisanship can often conflict with the personal goals of politicians. [...] Participation in government creates a huge collective action problem. Namely, why should an individual work on behalf of the public good? It's rational to let some other fool do it while you collect all the benefits.[...] So, it's good to be in politics. It has to be - if it wasn't, nobody worth a salt would bother getting into it."

"There is a bipartisan solution to most problems. [...] That solution is the status quo. If one side vehemently objects to the changes that the other side wants, and vice-versa, the chances are good that they both have the same second choice: no change at all."

Bipartidarismo II

Um dos argumentos a favor dos pactos de regime é a ideia de que só através de um consenso alargado é possível fazer reformas estruturais. É um argumento aparentemente razoável mas, ao defender a utilização de pactos de regime para chegar a esse consenso, secundariza o instrumento principal que temos para esse efeito: as eleições. Os acordos partidários deveriam originar na vontade dos eleitores e não numa tentativa de barricar votos. Além de induzir a apatia, esta corrida para o centro é perigosa. Afinal de contas, só há verdadeiro consenso quando não há escolha.

É aceitável que haja consonância quanto à necessidade de reformas estruturais. O que já não é aceitável é que haja consonância quanto ao conteúdo dessas reformas. A diferenciação, mais do que assegurar uma verdadeira representatividade, é um instrumento de controlo democrático. Uma oposição eficaz não é apenas uma forma de supervisionar a actuação do governo, é concorrência. Dizer que o governo devia fazer mais, ou fazer melhor, ou até fazer menos, é supervisionar. Dizer que o governo devia fazer diferente é fazer concorrência. Abdicar de fazer concorrência é trair o eleitorado.

3.3.09

Bipartidarismo

Recentemente, uma amiga irremediavelmente abstencionista dizia-me que não percebia porque razão os governos eram incapazes de aproveitar boas ideias vindas da oposição. Respondi-lhe que os políticos tomam decisões com base em dois critérios: a conquista do poder e a manutenção no poder. Quando as ideias dos outros partidos cumprem um destes propósitos, são usadas sem grandes remorsos. Na sua versão mais lamacenta, a apropriação assume uma forma de bipartidarismo a que resolvemos chamar "pactos de regime".

Estes pactos não são mais do que acordos de partilha do centro político, supostamente justificados pela gravidade de uma qualquer situação. Seria um modo de actuação aceitável se resolvessem alguma coisa. Infelizmente, como se pode ver pela situação da justiça, da reforma da administração pública, da educação, da saúde, etc., a premência não tem grande relação com os hipotéticos acordos que vão sendo discutidos. O "pacto de regime", depois de apanhada a "low hanging fruit" dos primeiros tempos da IIIª República, é motivado por tacticismo, não por um admirável sentido do dever.

Traições

Grande parte da teatralidade da política é baseada numa hierarquia da deslealdade. No interior dos partidos há um esforço de acomodação da discordância enquanto não passamos da inofensiva "expressão de pluralidade" para o domínio da traição. Para isso acontecer, não basta haver deserções ou trocas de insultos. Apesar do espalhafato, o âmbito de aplicação do dever de obediência é bastante restrito. Para a divergência passar a traição, alguém tem que diminuir as hipóteses dos outros chegarem ou de se manterem no poder.

2.3.09

Crenças: Edmund Burke

"By hating vices too much, they come to love men too little."

Edmund Burke - "Reflections on the Revolution in France"

1.3.09

Expropriações

No blog do Movimento Fórum Cidadania Lisboa, uma receita para a preservação do património:

"O ambiente urbano histórico está a perder os seus detalhes, a sua autenticidade. O genuíno e único é substituído por banalidades escolhidas por catálogo e ao sabor do freguês. Não é possível ambicionar por um turismo de qualidade com centros históricos feitos de plástico, alumínio e cimento."

Desta passagem depreende-se que para manter a autenticidade do ambiente urbano histórico bastaria que o "genuíno e o único" fossem substituídos, não por "banalidades" escolhidas por um freguês qualquer (também conhecido como o proprietário), mas por algo igualmente "genuíno e único" escolhido por turistas.

Salvar Empregos

No seguimento do que o Manuel Pinheiro descreveu aqui, uma descrição resumida das razões pelas quais a actual tentativa desesperada de salvar certos empregos só faz sentido porque, à falta de melhor, somos governados pelas estatísticas:

"If firms can’t cut their payrolls, they will have to absorb the collapse in profits by cutting back investment spending, which eventually will put jobs on the line. [...] Weak profits mean cuts in capital spending. Final demand will suffer, whichever way you cut it. What’s worse is that the two-tier jobs markets (protected insiders and unprotected contract workers) that exist in many countries mean those that do lose their jobs may be the most productive workers. That cannot be something to celebrate."
 

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